Da pedra à tecnologia, a cena do nascimento de Jesus inspira fé, arte, turismo e releituras sociais no Brasil contemporâneo
Montado em praças, igrejas ou na intimidade dos lares, o presépio segue como uma das tradições mais fortes do calendário cultural e religioso brasileiro. Mais do que uma representação do nascimento de Jesus, a cena reúne fé, memória afetiva, expressão artística e, em muitos casos, reflexão social que se atualiza com o tempo.
Em diferentes regiões do país, personagens esculpidos em madeira, barro, gesso, pedra ou materiais reciclados recriam o cenário simbólico do nascimento cristão. Enquanto alguns presépios preservam a estética tradicional, outros incorporam tecnologia, movimento e novos significados, ampliando o alcance da mensagem.
Um dos exemplos mais impressionantes está em Grão Mogol (MG), na Cordilheira do Espinhaço. O Presépio Natural Mãos de Deus, considerado o maior presépio permanente a céu aberto do mundo, ocupa uma área de aproximadamente 3,6 mil metros quadrados, com figuras esculpidas diretamente em pedra. O complexo chega a 30 metros de altura e se tornou um marco do turismo religioso em Minas Gerais.
Idealizado pelo empresário Lúcio Marcos Bemquerer, falecido em 2021, o presépio foi doado à Arquidiocese de Montes Claros e hoje é um dos principais responsáveis pela movimentação turística da região. Segundo dados da Secretaria de Cultura de Minas Gerais, o local registra crescimento médio anual de 20% no número de visitantes, impacto que refletiu diretamente no aumento de empregos no setor turístico local, com alta estimada em 50% em 2024.
Outro exemplo que chama atenção é o Presépio Som, Luz e Movimento, promovido em Brasília pelo grupo Arautos do Evangelho. Com entrada gratuita, o espaço combina esculturas detalhadas com automação eletrônica, narração e efeitos de luz. A tecnologia, trazida dos Estados Unidos, permite que os personagens ganhem movimento, criando uma experiência imersiva que atrai famílias e visitantes de todas as idades.
Tradição que se reinventa dentro de casa
Mesmo em tempos marcados pela presença constante das telas, o presépio doméstico segue presente em muitos lares brasileiros. Montado em estantes, mesas ou cantinhos especiais, ele mantém viva uma tradição passada entre gerações, frequentemente associada a lembranças familiares e rituais afetivos.
Além do aspecto religioso, o presépio também tem sido reinterpretado como símbolo social. Um exemplo recente ganhou destaque nas redes sociais a partir de um texto escrito pelo deputado federal Chico Alencar, apreciador da tradição. O conteúdo foi transformado em vídeo com narração da atriz Fernanda Montenegro, uma das maiores referências da dramaturgia brasileira.
Na interpretação, o presépio surge como denúncia poética das desigualdades sociais. A cena é descrita como a de uma família sem terra e sem teto, cercada por pastores marginalizados, que vigiam suas ovelhas durante a noite. Uma leitura que conecta o símbolo religioso a questões humanas universais, reforçando a atualidade da tradição.
Entre fé, arte, turismo e reflexão, os presépios seguem ocupando espaços públicos e privados, mostrando que, mesmo atravessando séculos, continuam capazes de dialogar com o presente e inspirar novas formas de olhar para o mundo.


