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Cotas raciais da Uerj completam 22 anos e seguem mudando trajetórias de vida

Ex-estudantes celebram conquistas, relatam desafios e defendem aprimoramento da política que transformou o ensino superior no Brasil.

A política de cotas sociais e raciais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) completou 22 anos em 2025. Pioneira no país e referência acadêmica internacional, a iniciativa tem um impacto concreto e profundo na mobilidade social de milhares de jovens. Entre eles está Henrique Silveira, atual subsecretário de Tecnologias Sociais da prefeitura do Rio de Janeiro, que ingressou na universidade em 2006, pelo curso de Geografia.

“Eu tenho muita clareza de que a cota transforma”, afirmou Henrique, que cresceu em Imbariê, distrito da Baixada Fluminense. “Ela me permitiu deixar de ser um menino atrás de uma carroça, um burro sem rabo, para hoje estar à frente da gestão pública”.

Filho de uma família trabalhadora, Henrique relembra que a carroça utilizada para entregas de materiais de construção foi seu primeiro espaço de trabalho. A universidade, segundo ele, foi a porta aberta para novos caminhos. “Eu sou o tipo de transformação que essa política é capaz de oferecer: tirar um jovem da periferia, colocá-lo na universidade e ampliar suas possibilidades de vida”.

Uma política pioneira e em constante evolução

Criado em 2003, o sistema de cotas da Uerj passa por revisões legislativas periódicas e será novamente avaliado em 2028. Na universidade, o debate atual envolve a criação de uma rede de acompanhamento profissional de egressos e a análise do impacto direto da política no desenvolvimento social.

Até aqui, mais de 32 mil estudantes ingressaram na instituição por meio das cotas, que cruzam critérios raciais e socioeconômicos — um modelo próprio da Uerj que difere das universidades federais.

Para muitos egressos, no entanto, o critério socioeconômico atual — renda familiar bruta de até R$ 2.277 por pessoa — representa uma barreira que precisa ser revista, especialmente na pós-graduação. “É um valor baixo e não contempla quem, mesmo formado, continua sem condições reais de custear a vida acadêmica”, afirmou David Gomes, ex-cotista do curso de História e ativista dos direitos humanos.

Morador do Complexo da Penha, David ingressou na universidade em 2011. “O estudo me deu perspectiva de futuro. Eu vejo amigos que cresceram onde eu cresci e não tiveram as mesmas oportunidades. A cota foi decisiva”, afirmou.

Da sala de aula ao retorno à comunidade

A dentista Maiara Roque, que entrou na Uerj em 2013, também destaca as mudanças pessoais e comunitárias proporcionadas pela política. Filha de uma cuidadora de idosos, ela enfrentou dúvidas e questionamentos no início da graduação, mas encontrou força na certeza do pertencimento.

“Depois que você entra, você percebe que merece estar ali. Eu pensava: ‘não queriam que eu estivesse aqui, mas estou, e vou fazer valer’”, contou. Hoje, com consultório próprio na Penha, ela afirma que seu trabalho é também uma forma de devolução social: “As pessoas se sentem à vontade com uma doutora negra, do bairro, que entende sua realidade”.

Efeitos sociais comprovados

Pesquisas ao longo dos anos derrubaram preconceitos e questionamentos sobre desempenho: não há diferença significativa entre cotistas e não cotistas. E, segundo dados do IBGE, embora o percentual de pessoas pretas (11,7%) e pardas (12,3%) com ensino superior ainda esteja abaixo do de pessoas brancas (25,8%), as cotas aceleraram a redução dessa desigualdade.

Para Henrique, David e Maiara, os próximos passos envolvem menos burocracia, mais apoio na permanência dos alunos e o fortalecimento dos pré-vestibulares populares — espaços que, para milhares de jovens, representam o primeiro contato com a possibilidade concreta de acesso ao ensino superior.

“Eu fiz vestibular em 2005 como alguém que dizia ‘não quero cota’. No pré-vestibular, entendi minha identidade e meu direito. No Brasil, você não nasce negro, você torna-se negro”, afirmou Henrique.

Com mais de duas décadas de resultados, a política da Uerj se consolida como uma das mais eficazes ferramentas de transformação social já implantadas no país — e continua moldando trajetórias que, sem ela, talvez jamais cruzassem os portões da universidade.

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