Ex-paraquedista britânico percorreu quase 58 mil quilômetros sem usar transporte e se prepara para o reencontro mais esperado de sua vida
Durante quase três décadas, enquanto o mundo mudava fronteiras, governos e tecnologias, um homem seguiu firme em um mesmo propósito: caminhar. Passo após passo, Karl Bushby transformou uma ideia considerada impossível em uma das jornadas mais longas já realizadas a pé no planeta. Agora, aos 27 anos do início da expedição, ele se aproxima do fim — e de casa.
Karl deixou a cidade de Hull, no Reino Unido, em novembro de 1998, partindo do Chile com um objetivo simples de explicar, mas difícil de executar: voltar caminhando, sem utilizar nenhum meio de transporte. O plano inicial era concluir a travessia em 12 anos. A realidade, no entanto, impôs desafios que estenderam a jornada para muito além do esperado.
Hoje, prestes a cruzar a Áustria rumo ao trecho final da Europa, Karl projeta chegar novamente a Hull em setembro de 2026. Do outro lado do caminho, quem espera é Angela Bushby, sua mãe, considerada por ele a maior apoiadora da expedição.

“Não estarei no túnel do Canal da Mancha. Estarei aqui, em Hull, esperando ele atravessar aquele portão”, diz Angela, com a certeza de quem aguardou por décadas. “Depois de um abraço, vou perguntar: ‘E que horas são essas, Karl?’”.
Uma vida moldada pela persistência
Ex-integrante do Regimento de Paraquedistas do Exército britânico, Karl sempre precisou provar a própria capacidade. Adolescente franzino, enfrentou dificuldades para ser aprovado no rigoroso treinamento militar e, antes disso, lidou com bullying na escola pública onde estudava.
Diagnosticado com dislexia aos 13 anos, ouviu repetidas vezes que não era capaz. Para a mãe, esse período marcou profundamente o filho — mas também despertou nele uma força rara.

“Quando ele entendeu que havia um motivo para suas dificuldades, nada mais o segurou”, conta Angela. “Ele encontrou formas de contornar isso e passou a gostar de aprender. Trabalhou duro para chegar onde está.”
Essa mesma determinação acompanhou Karl por desertos, florestas, cordilheiras e regiões congeladas.
Do gelo do Estreito de Bering às águas do Cáspio
Ao longo da jornada, Karl atravessou a América do Sul, Central e do Norte, percorreu partes da Ásia e, mais recentemente, entrou na Europa. Um dos trechos mais marcantes ocorreu em 2006, quando se tornou o primeiro britânico a cruzar o Estreito de Bering a pé, caminhando por placas de gelo instáveis sob temperaturas de até –30 °C.

Em outro momento, em 2024, nadou cerca de 300 quilômetros pelo Mar Cáspio para contornar restrições diplomáticas e dificuldades de visto, evitando retornar ao Irã ou à Rússia.
“Foi um alívio saber que ele conseguiu”, relembra Angela. “Antes de sair do Alasca, ele pediu para ver a família, caso algo acontecesse. Aquilo foi muito difícil.”
Mesmo à distância, mãe e filho mantiveram o vínculo. No início, as ligações eram raras. Hoje, conversam com mais frequência por mensagens. Angela, inclusive, nunca deixou de comprar presentes de Natal para o filho ao longo dos anos.

“Ele vai ter muitos para abrir quando voltar”, conta, sorrindo. “Quando eu disse isso, ele respondeu: ‘Mãe, você deve estar louca’.”
O desafio do retorno
Se concluir a jornada é um marco histórico, o retorno à vida comum também traz incertezas. Angela admite que se preocupa com a readaptação do filho após tantos anos em movimento constante.
“Não sei se ele vai conseguir ficar parado”, diz. “Acho que, depois de tudo isso, o mundo ainda vai chamar.”
Ao ouvir o comentário da mãe sobre o reencontro e a pergunta sobre as horas, Karl responde com simplicidade:
“Essa é a hora da verdade.”
Depois de quase 58 mil quilômetros, guerras, fronteiras e décadas de espera, o relógio parece finalmente marcar o momento de voltar para casa.


