Pesquisas revelam que imunizante pode prevenir o surgimento da doença e também desacelerar sua progressão em idosos
Um novo estudo liderado pela Stanford Medicine reacende o debate sobre o papel das infecções virais no desenvolvimento da demência — e revela um possível aliado inesperado na prevenção: a vacina contra o herpes-zóster.
A pesquisa analisou registros de saúde de mais de 280 mil idosos no País de Gales e demonstrou que pessoas que receberam a vacina tiveram 20% menos probabilidade de desenvolver demência nos sete anos seguintes, em comparação com pessoas não vacinadas. Os resultados, publicados na revista científica Nature, são considerados as evidências mais robustas já produzidas sobre o tema.
A descoberta reforça a hipótese de que vírus capazes de afetar o sistema nervoso — como o varicela-zóster, responsável pela catapora e pelo herpes-zóster — podem desempenhar papel importante no risco de desenvolvimento da demência, especialmente em idosos.
Um “experimento natural” que eliminou vieses
O estudo chamou atenção por um detalhe improvável: uma particularidade do programa de vacinação galês permitiu avaliar dois grupos praticamente idênticos, diferenciados apenas pela elegibilidade para receber o imunizante.
Em 2013, a vacina de vírus vivo atenuado só pôde ser aplicada em pessoas que tinham exatamente 79 anos naquela data. Quem havia completado 80 anos não seria vacinado — jamais. Essa regra gerou condições equivalentes a um ensaio clínico controlado, mas sem intervenção direta dos pesquisadores.
Ao comparar pessoas separadas por apenas uma semana de nascimento, os cientistas puderam medir o efeito real da vacinação, sem interferência de hábitos de vida ou nível de escolaridade — fatores que, normalmente, distorcem estudos observacionais.
Proteção observada ao longo dos anos
Durante sete anos de acompanhamento, a vacina reduziu casos de herpes-zóster em 37%, conforme esperado. Mas a maior surpresa foi a diferença consistente nos diagnósticos de demência:
- Entre pessoas com 86 e 87 anos, 1 em cada 8 teve diagnóstico de demência em 2020.
- Entre os vacinados, houve redução de 20% nos casos.
Os pesquisadores revisaram o banco de dados de várias formas — por idade, por mortalidade, por padrões de saúde gerais — e, em todas as análises, o efeito protetor persistiu.
Benefícios também em quem já tem a doença
Um estudo complementar, a ser publicado na revista Cell, indica que a vacina também pode oferecer vantagens para quem já foi diagnosticado com demência.
Os resultados mostraram que idosos vacinados após o diagnóstico tiveram menor probabilidade de morrer por demência nos nove anos seguintes. Enquanto quase metade dos pacientes não vacinados faleceu em decorrência da doença, essa proporção foi de cerca de 30% entre os imunizados.
Segundo os autores, isso sugere um possível efeito terapêutico, abrindo caminho para novas pesquisas sobre vacinas e modulação imunológica como estratégia de tratamento.
Proteção mais forte entre mulheres
O estudo também identificou resposta mais significativa entre mulheres — possivelmente devido a diferenças imunológicas naturais. Mulheres, em média, produzem mais anticorpos após a vacinação e têm maior probabilidade de desenvolver herpes-zóster, o que pode explicar parte dessa variação.
O que ainda falta descobrir
Ainda não há conclusão definitiva sobre o mecanismo de proteção da vacina. Entre as hipóteses estão:
- Estímulo geral ao sistema imunológico;
- Redução das reativações do vírus latente;
- Algum outro mecanismo ainda desconhecido.
A equipe da Stanford agora busca financiamento para um ensaio clínico randomizado internacional — o tipo de estudo capaz de comprovar causa e efeito.
Uma esperança concreta
A demência afeta 55 milhões de pessoas no mundo e registra 10 milhões de novos casos por ano. Sem grandes avanços terapêuticos nas últimas décadas, a possibilidade de uma intervenção simples, segura e já disponível representa nova esperança para a prevenção e para o cuidado de quem convive com a doença.


