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quinta-feira, novembro 27, 2025
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Fiocruz inicia estudo pioneiro de terapia gênica para Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1 e reacende esperança para famílias brasileiras

Autorização da Anvisa permite que o Brasil teste, pela primeira vez, uma terapia gênica desenvolvida para ser produzida em território nacional e ofertada no SUS

A autorização da Anvisa para que a Fiocruz inicie testes clínicos em humanos com a terapia gênica GB221 marca um novo capítulo na forma como o Brasil enfrenta doenças raras – em especial a Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1, a forma mais grave da enfermidade, que atinge bebês ainda nos primeiros meses de vida.

Mais do que um avanço científico, o estudo coloca o país em posição de protagonismo na América Latina ao combinar pesquisa de ponta, transferência de tecnologia e a perspectiva de produção nacional de um tratamento de última geração.

O que está sendo testado

O GB221 é um produto de terapia gênica avançada desenvolvido pela empresa norte-americana Gemma Biotherapeutics (GEMMABio). A ideia central é corrigir, por meio da entrega de material genético funcional, um defeito que está na origem da doença.

Na Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1, uma alteração no gene SMN1 impede a produção adequada de uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores – células responsáveis pelos movimentos do corpo. Sem essa proteína, a criança perde progressivamente a força muscular, tem dificuldade para sustentar a cabeça, respirar, engolir e, em muitos casos, não sobrevive aos primeiros anos de vida.

A nova terapia utiliza vetores virais – a mesma plataforma que a Fiocruz passou a dominar em larga escala durante a produção da vacina contra a covid-19 – para levar ao organismo a informação genética necessária à produção da proteína SMN. A expectativa é que, se os estudos confirmarem segurança e eficácia, o tratamento possa interromper ou reduzir o avanço da doença em crianças diagnosticadas precocemente.

Por que essa autorização é tão importante

A decisão da Anvisa, anunciada durante reunião do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Geceis), em São Paulo, não se limita a liberar um novo protocolo de pesquisa. Ela abre uma trilha estratégica em três frentes:

  1. Autonomia tecnológica
    A Fiocruz não apenas participa do desenvolvimento clínico como firmou acordo de transferência de tecnologia com a GEMMABio, por meio de Bio-Manguinhos. Isso significa que, caso o produto seja aprovado, o Brasil poderá produzir a terapia em seu próprio parque fabril – algo inédito no campo das terapias gênicas.
  2. SUS como destino final
    A Estratégia Fiocruz para Terapias Avançadas foi pensada desde o início com foco no Sistema Único de Saúde. Em vez de depender exclusivamente de medicamentos importados de altíssimo custo, o país se prepara para desenvolver e fabricar soluções capazes de chegar, em perspectiva, à rede pública.
  3. Resposta às doenças raras
    No Brasil e no mundo, famílias de crianças com Atrofia Muscular Espinhal convivem com a urgência do tempo e com barreiras econômicas dramáticas. Um dos principais tratamentos disponíveis hoje – também baseado em terapia gênica – está entre os medicamentos mais caros do planeta, o que por anos levou famílias à Justiça em busca do custeio pelo poder público. A aposta em produção nacional é uma forma de enfrentar esse desequilíbrio.

Investimento e visão de futuro

O projeto que reúne as iniciativas de terapias gênicas para doenças raras já recebeu R$ 122 milhões em investimentos do Ministério da Saúde, dentro da Estratégia Fiocruz para Terapias Avançadas. A Finep também aportou cerca de R$ 50 milhões em infraestrutura para produção desses produtos em Bio-Manguinhos.

Na prática, esse esforço integra a agenda de fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) – uma política que enxerga medicamentos, vacinas e tecnologias em saúde não apenas como custo, mas como área estratégica de desenvolvimento, geração de empregos qualificados e soberania científica.

Ao mesmo tempo, o estudo dialoga diretamente com a Política Nacional de Atenção às Pessoas com Doenças Raras, ao tentar transformar em oferta concreta de cuidado aquilo que, até pouco tempo atrás, parecia restrito a centros de pesquisa de países ricos.

O que acontece agora nos testes clínicos

Os estudos autorizados pela Anvisa são de fase 1/2, ou seja, estão no estágio inicial do desenvolvimento em humanos. Nessa etapa, os pesquisadores buscam principalmente:

  • avaliar a segurança e a tolerabilidade da terapia (fase 1);
  • observar os primeiros sinais de eficácia (fase 2), como estabilização ou melhora de funções motoras em comparação ao curso natural da doença.

Os testes serão conduzidos em centros clínicos de referência no país, incluindo hospitais universitários especializados em neurologia pediátrica e doenças raras. A participação de bebês e crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1 seguirá protocolos rígidos de ética, consentimento das famílias e acompanhamento multiprofissional.

Somente depois de concluídas todas as fases de pesquisa – com demonstração de segurança, eficácia e qualidade – é que a Fiocruz e seus parceiros poderão solicitar o registro do produto à Anvisa. Se aprovado, o GB221 passará a ser um medicamento oficialmente disponível no país.

Esperança concreta para famílias

Para além de números e siglas, a notícia se traduz em esperança para famílias que convivem com o diagnóstico de Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1. Em declaração recente, o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, sintetizou o momento como “emocionante” ao lembrar a missão da Fundação de atuar “em defesa da vida” há 125 anos.

Ao colocar sua capacidade científica e tecnológica a serviço de crianças com uma doença rara, a Fiocruz reforça que inovação em saúde pública não é apenas desenvolver produtos sofisticados, mas garantir que eles possam, um dia, chegar a quem mais precisa – inclusive dentro do SUS.

Se os próximos passos da pesquisa confirmarem o potencial da terapia, o Brasil terá dado um movimento histórico: sair do papel de comprador de tecnologias caríssimas para ocupar o lugar de país que desenvolve, produz e oferece tratamentos de ponta para doenças que, até pouco tempo atrás, eram sinônimo de prognóstico reservado e desigualdade de acesso.

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