Google search engine
quinta-feira, novembro 20, 2025
Google search engine
InícioSaúde | CiênciaCientistas descobrem como “desligar” neurônios que causam ansiedade

Cientistas descobrem como “desligar” neurônios que causam ansiedade

Estudo em camundongos mostra que controlar a atividade de células específicas da amígdala pode reduzir o estado de alerta exagerado e inspirar novos tratamentos

Sentir ansiedade em situações de perigo ou incerteza faz parte da nossa sobrevivência. Mas quando o cérebro entra num estado de alerta constante, sem motivo claro, a ansiedade deixa de ser proteção e se transforma em sofrimento. Agora, pesquisadores espanhóis deram um passo importante para entender como esse processo começa — e, principalmente, como pode ser reduzido.

Cientistas do Instituto de Neurociencias, em San Juan, na Espanha, identificaram um conjunto muito específico de neurônios na amígdala, região do cérebro ligada ao medo e às emoções, que funciona como uma espécie de “interruptor emocional”. Quando essas células ficam mais excitáveis do que deveriam, o resultado é um comportamento claramente ansioso, mesmo em situações que não representam ameaça real.

A descoberta, publicada na revista científica iScience, sugere que, ao “acalmar” essas células, seria possível reduzir a ansiedade de forma mais precisa, abrindo caminho para tratamentos mais específicos no futuro.

O gene que “puxa o volume” da ansiedade

O ponto central do estudo é um gene chamado GRIK4, responsável pela produção de uma proteína conhecida como GluK4. Essa proteína participa da comunicação entre neurônios e interfere no chamado “tom elétrico” dessas células — em outras palavras, na facilidade com que elas disparam sinais.

Nos experimentos, os cientistas observaram que camundongos com superexpressão do gene GRIK4 apresentavam comportamentos típicos de ansiedade:

  • evitavam ambientes abertos e iluminados;
  • interagiam menos com outros animais;
  • tinham desempenho pior em testes de reconhecimento de objetos.

A explicação encontrada pelos pesquisadores foi que a proteína GluK4 tornava os neurônios da amígdala mais excitáveis, como se o volume de um alarme interno estivesse sempre no máximo. Com isso, o cérebro dos animais passava a interpretar situações neutras como ameaçadoras.

A amígdala e o circuito do medo

A amígdala é uma estrutura fundamental para avaliar o que é ou não perigoso e decidir quais respostas emocionais o corpo deve acionar. No estudo, os cientistas focaram em uma área específica: a região centrolateral da amígdala basolateral, um núcleo diretamente envolvido na avaliação de ameaças e na regulação de emoções como medo e ansiedade.

Para testar se esses neurônios eram mesmo responsáveis pelo comportamento ansioso, os pesquisadores reduziram a expressão do gene GRIK4 justamente nessas células.

O resultado foi significativo:

  • os camundongos passaram a explorar mais os ambientes;
  • mostraram melhora na interação social;
  • apresentaram redução consistente de sinais de ansiedade.

Ou seja, controlar a excitabilidade desses neurônios foi suficiente para diminuir o estado de alerta exagerado nos animais.

Um “interruptor emocional” dentro do cérebro

Os resultados reforçam a ideia de que determinados grupos de neurônios da amígdala funcionam como um ponto de partida da ansiedade.

Quando esses neurônios estão hiperativos, o cérebro passa a reagir com medo e tensão mesmo sem um motivo concreto. Quando a excitabilidade é reduzida, o circuito volta a trabalhar em um ritmo mais equilibrado, permitindo uma resposta emocional mais adequada à realidade.

Essa descoberta ajuda a explicar por que transtornos de ansiedade podem surgir não apenas por causa de fatores externos (como traumas, estresse crônico ou ambiente), mas também por alterações muito específicas em pequenos circuitos cerebrais. É como se, em algumas pessoas, certos fios do sistema emocional estivessem mais sensíveis do que deveriam.

Sintomas e tipos de ansiedade: quando o alerta passa dos limites

Embora o estudo tenha sido feito em camundongos, ele conversa diretamente com o que se observa em humanos. A ansiedade pode se manifestar de diferentes formas, afetando corpo, pensamentos e comportamento. Entre os quadros mais comuns estão:

  • Crises de pânico: episódios abruptos de medo intenso, com falta de ar, palpitações, tontura, suor em excesso e sensação de morte iminente.
  • Ansiedade social: nervosismo extremo em situações públicas, medo de julgamento, tremores, suor, vermelhidão no rosto e taquicardia.
  • Ansiedade generalizada: preocupação exagerada e constante, mesmo sem um motivo específico, acompanhada de tensão muscular, inquietação e dificuldade de relaxar.
  • Em crianças e adolescentes: queixas físicas frequentes (dor de cabeça, dor de barriga, dor nas pernas), mudanças no sono e no apetite, medo sem explicação clara e queda no rendimento escolar.

Esses sintomas podem estar ligados a experiências de vida, pressão social, histórico familiar e, como reforça o estudo, a alterações discretas, mas profundas, na forma como o cérebro processa emoções.

Ansiedade, sociabilidade e memória: o que o estudo revelou

Ao reduzir a ação do gene GRIK4, os cientistas não observaram apenas uma melhora nos sinais de ansiedade. Os camundongos também:

  • ficaram mais sociáveis;
  • se mostraram mais dispostos a explorar o ambiente.

No entanto, um ponto chamou atenção: a memória de reconhecimento de objetos não foi totalmente restaurada. Mesmo com a ansiedade reduzida, essa função continuou prejudicada.

Isso indica que:

  • ansiedade, sociabilidade e memória compartilham partes do mesmo circuito cerebral;
  • mas cada uma dessas funções também depende de outras regiões do cérebro, além da amígdala.

Na prática, isso mostra que não existe um botão único que controla tudo, mas sim uma rede de circuitos que se cruzam e se influenciam.

O papel do glutamato na ansiedade

Outro destaque do estudo é o papel do glutamato, o principal neurotransmissor excitatório do cérebro.

A proteína GluK4 está ligada justamente a receptores de glutamato. Quando esse sistema fica desregulado em regiões específicas, como a amígdala, a chance de o cérebro entrar num estado de hiperalerta aumenta.

Ao demonstrar que a superexpressão de GRIK4 não afeta todos os neurônios da amígdala da mesma forma — mas se concentra em neurônios excitatórios que fazem conexão direta com o núcleo centrolateral —, os pesquisadores mostram que a anatomia do circuito é extremamente precisa. E é justamente essa precisão que abre espaço para pensar em tratamentos mais direcionados.

O que essa descoberta pode significar para futuros tratamentos?

Do ponto de vista clínico, o estudo aponta para uma possibilidade animadora: desenvolver terapias que atuem em alvos mais restritos, evitando o efeito “pancada geral” de muitos medicamentos atuais, que ajustam a química de todo o cérebro e podem causar vários efeitos colaterais.

Alguns caminhos que essa linha de pesquisa pode inspirar no futuro:

  • medicamentos que modulam de forma seletiva a excitabilidade de certos neurônios da amígdala;
  • técnicas de neuromodulação mais específicas, que atuem só em regiões relacionadas ao início da resposta ansiosa;
  • terapias combinadas, associando tratamento medicamentoso mais preciso com psicoterapia, para atuar tanto nos circuitos cerebrais quanto nos padrões de pensamento e comportamento.

Os próprios autores destacam que identificar neurônios que “iniciam” a ansiedade é um avanço importante: interfere-se diretamente em pontos críticos do circuito emocional, sem desligar funções que o cérebro precisa manter ativas.

Um passo importante, mas ainda no campo experimental

Apesar de todo o entusiasmo que uma descoberta assim pode gerar, os cientistas fazem questão de destacar uma limitação fundamental:

toda a pesquisa foi feita em camundongos.

Isso significa que ainda não é possível afirmar que o mesmo mecanismo se reproduza da mesma maneira em humanos. O cérebro humano é muito mais complexo, e a transição de resultados em animais para tratamentos eficazes em pessoas costuma ser lenta e cheia de etapas de verificação.

Mesmo assim, o estudo ajuda a reforçar uma mensagem importante:

  • a ansiedade não é apenas “frescura”, “fraqueza” ou “drama”;
  • ela tem raízes reais no funcionamento do cérebro;
  • e entender esses mecanismos abre portas para que, no futuro, os tratamentos sejam mais eficientes e com menos efeitos colaterais.

Enquanto isso, para quem enfrenta ansiedade no dia a dia, buscar ajuda profissional continua sendo fundamental. A ciência segue avançando para que, lá na frente, o cuidado com a saúde mental seja cada vez mais preciso, acessível e respeitoso.

RELATED ARTICLES
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img

Most Popular

Recent Comments