Hormônios, ciclo menstrual, educação sexual e cultura ajudam a explicar por que, em muitos casais, um deseja mais sexo do que o outro
Sentir que você tem menos vontade de transar do que seu parceiro — ou o contrário — é mais comum do que parece. Em muitos relacionamentos, uma das principais queixas é justamente a diferença de libido entre o casal. Mas será que isso significa falta de amor, desinteresse ou “problema” com a própria sexualidade? Segundo a sexóloga Ana Lombardía, a resposta é não.
Durante sua participação no podcast “Tenemos que hablar… kheeé”, ela explicou que o desejo sexual é influenciado por uma combinação de fatores biológicos, hormonais, emocionais e culturais — e que, por isso, não dá para simplificar dizendo que “homens sempre querem mais sexo que mulheres”.
A libido não é fixa – e muito menos igual para todo mundo
A libido, ou desejo sexual, não é uma característica estática. Ela muda ao longo da vida, varia com o dia a dia e pode ser impactada por questões físicas, emocionais e até contextuais, como estresse e rotina.
Além disso, é cercada de mitos:
- que homem “pensa em sexo o tempo todo”;
- que mulher “gosta menos” ou só faz sexo por afeto;
- que quem tem menos vontade está “errado” ou “frio”.
Na prática, o que a sexóloga destaca é que o desejo é complexo. Ele depende, sim, de hormônios, mas também de como cada pessoa foi educada para lidar com o próprio corpo, com o prazer e com o tema “sexo” dentro da família e da sociedade.
Homens x mulheres: o papel dos hormônios no desejo
Um dos pontos centrais da explicação de Ana Lombardía é a diferença hormonal entre homens e mulheres. A testosterona — presente em maiores níveis no corpo masculino — está diretamente ligada ao desejo sexual. Isso ajuda a entender por que, em muitos casos, homens relatam sentir mais vontade de transar com maior frequência.
Mas não é só isso. No caso das mulheres, o desejo tende a ser mais “cíclico”, porque acompanha as fases do ciclo menstrual.
Segundo a sexóloga, durante a ovulação — normalmente no meio do ciclo — muitas mulheres percebem aumento da libido:
É nesse período que o corpo “trabalha” biologicamente para a possibilidade de reprodução, e isso pode se traduzir em mais desejo sexual, sensibilidade e vontade de contato.
Fora da ovulação, porém, o desejo pode diminuir, especialmente se somado a fatores como cansaço, dor, estresse ou uso de determinados métodos contraceptivos.
“Somos cíclicas”: como o ciclo menstrual impacta o desejo feminino
Ao falar sobre a diferença entre o desejo masculino e o feminino, Lombardía lembra que as mulheres são cíclicas — e isso faz toda a diferença:
- Na ovulação: aumento da libido em muitas mulheres;
- Na TPM: irritação, sensibilidade emocional, desconforto físico e, em alguns casos, queda no interesse sexual;
- No início e no fim do ciclo: alterações de energia, disposição e humor que podem influenciar a vontade de ter relações.
Isso significa que a mulher não tem menos desejo, mas que ele costuma ser mais sensível às mudanças internas do corpo. Por isso, comparar a libido feminina — que varia com o ciclo — com o modelo mais linear dos homens pode gerar frustrações desnecessárias.
Homens são mais “lineares” – e foram educados para desejar
Enquanto o desejo feminino varia mais de acordo com as oscilações hormonais, a sexóloga explica que, para os homens, a dinâmica costuma ser mais estável. Eles não passam por um ciclo mensal como o das mulheres, o que faz com que o desejo, em geral, se mantenha mais constante ao longo do tempo.
Mas há um outro ponto importante: a educação sexual e afetiva.
Desde pequenos, muitos meninos:
- são incentivados — diretamente ou de forma sutil — a explorar o próprio corpo;
- têm a masturbação tratada com mais naturalidade;
- falam sobre sexo com amigos com mais liberdade;
- recebem mensagens sociais que associam masculinidade à atividade sexual.
Já as meninas, muitas vezes, crescem ouvindo frases como “fecha as pernas”, “isso é feio”, “moça direita se dá o respeito”. O prazer feminino é, com frequência, silenciado, julgado ou tratado como algo secundário.
O resultado disso?
- Homens tendem a conhecer mais o próprio corpo e seus gatilhos de prazer;
- sentem menos culpa em desejar sexo;
- se percebem “autorizados” a buscar relações e falar sobre isso.
Segundo Lombardía, não é que eles “nasçam” com mais desejo, mas que o sexo está mais disponível para eles — social e culturalmente. Isso faz com que estejam mais dispostos ao sexo, com menos barreiras emocionais e morais.
Quando o casal tem desejos em ritmos diferentes
É muito comum que, em um relacionamento, uma pessoa queira sexo com mais frequência do que a outra. Isso pode acontecer porque:
- um está mais estressado que o outro;
- há diferenças hormonais importantes;
- a carga de trabalho ou cuidados com a casa e filhos recai mais sobre um dos lados;
- existem bloqueios emocionais, traumas ou inseguranças;
- a educação sexual foi totalmente diferente para cada um.
O problema não é ter libidos diferentes, mas transformar isso em motivo de culpa, briga ou comparação injusta. Quando alguém se sente “cobrada(o)” ou “insuficiente” por não acompanhar o ritmo do parceiro, o desejo tende a diminuir ainda mais.
E se você tem menos libido do que seu parceiro?
Ter menos desejo não significa que você gosta menos da pessoa ou que não é “normal”. Segundo a visão da sexóloga e de muitos especialistas, o caminho é olhar para esse tema com mais acolhimento e menos julgamento.
Alguns pontos que podem ajudar:
- Entender o próprio corpo: observar em quais momentos do ciclo você sente mais ou menos vontade (no caso das mulheres).
- Conversar com o parceiro: falar sobre desejo, limites e inseguranças com honestidade, sem ataques pessoais.
- Rever a rotina: cansaço extremo, estresse, jornadas duplas e falta de descanso são inimigos poderosos da libido.
- Cuidar da saúde geral: sono, alimentação, prática de atividade física e acompanhamento médico também influenciam o desejo.
- Buscar ajuda profissional: em casos em que a diferença de desejo gera sofrimento, um acompanhamento com sexólogo(a), psicólogo(a) ou médico(a) pode ser fundamental.
Muito além de hormônios: o desejo também é liberdade
Embora hormônios como a testosterona e o ciclo menstrual expliquem parte da diferença entre o desejo masculino e feminino, a sexóloga reforça que a educação, a cultura e a liberdade para falar sobre sexo têm um peso enorme.
Homens, em geral, foram autorizados a sentir e a expressar o desejo. Mulheres, por muito tempo, foram ensinadas a reprimi-lo.
Por isso, quando uma mulher acha que “tem algo errado” por ter menos vontade de transar do que o parceiro, muitas vezes o que existe não é uma falha no corpo, mas um acúmulo de cobranças, cansaço, culpa e falta de espaço para viver o próprio prazer com tranquilidade.
Falar sobre libido com mais informação e menos tabu é um passo importante para que cada pessoa — e cada casal — possa construir uma vida sexual mais honesta, respeitosa e satisfatória para os dois lados.


