Procuradoria-Geral de Goiás pede que o Supremo determine a desocupação de 12,9 mil hectares ocupados irregularmente pelo Tocantins na região conhecida como Quilombo Kalunga dos Morros.
O Governo de Goiás levou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma disputa territorial que envolve história, cartografia e soberania administrativa. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE-GO) ajuizou uma Ação Cível Originária (ACO) pedindo que o Estado do Tocantins desocupe uma área de 12,9 mil hectares (129 km²) localizada na região norte do município de Cavalcante, conhecida como Quilombo Kalunga dos Morros.
Segundo a PGE, o Tocantins vem ocupando de forma irregular parte do território goiano, o que fere a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil. A área em litígio inclui a oferta de serviços públicos tocantinenses, como educação e saúde, e até a instalação de um portal turístico no Complexo do Canjica, em uma área que, constitucionalmente, pertence a Goiás.
A origem do impasse remonta a 1977, quando um erro de toponímia (nomeação de elementos geográficos) na Carta Topográfica “São José”, elaborada pela Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) do Exército Brasileiro, identificou equivocadamente o Ribeirão Ouro Fino como Rio da Prata. Essa confusão provocou um deslocamento indevido dos limites estaduais, fazendo com que parte do território goiano fosse incorporada, na prática, ao Estado do Tocantins.
Reflexos sociais e administrativos
De acordo com a ação, o equívoco cartográfico e a consequente ocupação têm causado reflexos sociais, fundiários, eleitorais e tributários. O município de Cavalcante, por exemplo, deixou de contabilizar parte de sua população no último Censo do IBGE, o que resultou em redução nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) — uma perda direta para a arrecadação local e para o planejamento de políticas públicas.
O procurador-geral do Estado, Rafael Arruda, que assina a ação, explica que Goiás tentou resolver a questão de forma administrativa, dialogando com a DSG/Exército, o IBGE e o próprio governo do Tocantins, mas sem sucesso.
“A ação não se restringe à tutela de um interesse local ou patrimonial, mas representa o restabelecimento da verdade geográfica e jurídica sobre o território nacional, em estrita observância ao desenho federativo traçado pela Constituição Federal”, destacou Arruda.
Com base em levantamentos técnicos da PGE e do Instituto Mauro Borges (IMB), o Governo de Goiás pede ao STF que reconheça a área como integrante do território goiano, determine a desocupação imediata da região pelo Tocantins e retifique oficialmente os limites territoriais entre os dois estados
Contexto histórico
A região em disputa está inserida no território tradicional Kalunga, o maior território quilombola do Brasil, reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial. O Quilombo Kalunga dos Morros abrange comunidades de forte relevância histórica, cultural e ambiental, o que torna a delimitação territorial ainda mais sensível.
Especialistas em direito federativo destacam que ações desse tipo são raras, mas fundamentais para corrigir distorções históricas e assegurar o pacto federativo. O julgamento no STF deverá definir os limites oficiais e restabelecer a administração legítima sobre a área.


