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terça-feira, dezembro 30, 2025
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Licença paternidade: a revolução silenciosa que está chegando ao Brasil

Como cinco dias podem determinar o futuro de uma família — e por que o país está prestes a rever esse modelo.

Imagine tentar aprender um novo idioma em apenas cinco dias. Agora imagine que esse idioma seja o mais importante da sua vida: a linguagem única do seu filho recém-nascido. É exatamente essa a realidade enfrentada por milhões de pais brasileiros todos os anos.

Enquanto as mães têm direito a 120 dias de licença-maternidade, os pais contam, em regra, com apenas cinco dias corridos — o equivalente a uma semana de trabalho comum — para criar vínculo, aprender rotinas de cuidado e apoiar a reorganização familiar. Uma assimetria que, há décadas, molda a divisão desigual do cuidado no Brasil.

Após quase 40 anos da promulgação da Constituição de 1988, o Congresso Nacional finalmente acelerou a discussão sobre a ampliação da licença paternidade. Projetos em tramitação preveem a expansão do período de cinco para até 60 dias, o que representaria uma das mudanças sociais mais relevantes das últimas décadas no campo da família e do trabalho.

A matemática do cuidado

Os dados revelam uma desigualdade estrutural. Segundo a PNAD Contínua (IBGE, 2022), as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e ao cuidado de pessoas. Os homens, apenas 11,7 horas. Embora dois responsáveis constem na certidão de nascimento, na prática cotidiana, apenas um costuma estar integralmente disponível.

Essa desigualdade não é apenas socialmente injusta — ela também é economicamente ineficiente. Estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que o aumento da participação feminina no mercado de trabalho impulsiona o crescimento econômico. Já o Banco Mundial estima ganhos de até 20% no PIB per capita em países onde homens e mulheres trabalham em níveis equivalentes.

Experiências internacionais reforçam esse impacto. Na Suécia, cada mês adicional de licença paternidade está associado a um aumento médio de 6,7% no salário das mães nos anos seguintes, reflexo de uma divisão mais equilibrada do cuidado e das responsabilidades familiares.

Licença paternidade como infraestrutura social

Tratar a ampliação da licença paternidade como “benefício” ou “folga estendida” é reduzir seu verdadeiro alcance. O que está em jogo é a construção de uma infraestrutura social sólida.

Quando o pai permanece presente nos primeiros meses de vida do filho, dois movimentos fundamentais acontecem:

  • Ele desenvolve competências reais de cuidado, assumindo tarefas como alimentação, troca, rotina de sono e turnos noturnos, o que reduz a sobrecarga materna e facilita o retorno da mulher ao trabalho.
  • Cria-se um padrão de parentalidade compartilhada que tende a se manter ao longo da infância. Estudos da OCDE mostram que crianças com pais engajados desde cedo apresentam melhores indicadores de desenvolvimento cognitivo, emocional e de linguagem.

O tempo precisa ser ativo

Para que a licença paternidade estendida produza impacto real, o tempo precisa ser vivido de forma ativa. Isso inclui organizar a rotina da casa, acompanhar consultas médicas, assumir responsabilidades domésticas e dividir, de fato, o cuidado diário.

Quando a mãe precisa “delegar” cada passo, a licença muda de nome, mas não de função. A verdadeira revolução ocorre quando ambos se tornam igualmente capazes e autônomos no cuidado do filho.

Uma nova cultura de paternidade

Mais do que o número exato de dias, o debate sobre a licença paternidade toca em uma mudança cultural profunda. Paternidade ativa não é ajuda, favor ou apoio eventual — é corresponsabilidade.

A ampliação da licença paternidade no Brasil representa um avanço legal, social e econômico. Investir em pais presentes significa formar crianças mais equilibradas, famílias mais justas e uma sociedade mais preparada para o futuro.

Às vésperas de uma decisão histórica, o Brasil precisa escolher: continuar tratando a paternidade como um detalhe burocrático ou reconhecê-la como um compromisso social, familiar e coletivo.

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