Estudos apontam aumento da mortalidade infantil e preocupação crescente entre os brasileiros com os efeitos da crise climática
As mudanças climáticas estão atingindo em cheio um dos grupos mais vulneráveis da população: as crianças. Duas pesquisas recentes reforçam a gravidade do problema, mostrando que tanto o calor quanto o frio extremos elevam o risco de morte na primeira infância e preocupam a maioria dos brasileiros.
Um levantamento realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Datafolha, revelou que mais de 80% da população teme os efeitos da crise climática em bebês e crianças de 0 a 6 anos. A principal preocupação apontada por 71% dos entrevistados são os impactos sobre a saúde, especialmente as doenças respiratórias.
Outros receios aparecem entre os entrevistados: desastres naturais (como enchentes, secas e queimadas) foram mencionados por 39%, enquanto falta de água e alimentos apareceram em 32% das respostas. Apesar dos riscos, 15% acreditam que o tema pode aumentar a consciência ambiental e 6% confiam que a sociedade encontrará soluções para minimizar os danos.
“Ver que a população reconhece o risco que as crianças enfrentam já é uma vitória — significa que entendemos quem está na linha de frente da crise e que há urgência em agir”, afirma Mariana Luz, diretora da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Mortalidade infantil aumenta em extremos climáticos
Outra pesquisa, publicada no periódico científico Environmental Research, confirma os temores da população. O estudo, realizado por cientistas do Cidacs/Fiocruz Bahia, Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, London School e Instituto de Saúde Global de Barcelona, analisou mais de 1 milhão de mortes de crianças menores de 5 anos ao longo de 20 anos no Brasil.
Os resultados são alarmantes:
- Bebês com 7 a 27 dias de vida têm risco 364% maior de morrer no frio extremo, em comparação com dias de temperatura amena.
- Já o calor extremo aumenta em 85% o risco de morte entre crianças de 1 a 4 anos.
- No total, o risco de mortalidade infantil chegou a ser 95% maior no frio extremo e 29% maior no calor extremo.
O professor Ismael Silveira, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, explica que, embora já houvesse evidências internacionais sobre a vulnerabilidade das crianças, o Brasil oferece um cenário particular devido à sua grande desigualdade social e variações climáticas regionais.
“O Brasil tem dimensões continentais e forte desigualdade socioeconômica, o que o torna um ‘laboratório natural’ para investigar os impactos do clima”, destacou o pesquisador.
Desigualdade agrava os impactos
As crianças são mais vulneráveis porque seus corpos ainda não desenvolveram totalmente os mecanismos de regulação térmica. No calor, há maior risco de desidratação, insolação e doenças infecciosas; no frio, hipotermia e infecções respiratórias se tornam mais frequentes.
A desigualdade regional também influencia os resultados. A mortalidade relacionada ao frio foi maior no Sul (117%), enquanto as mortes relacionadas ao calor atingiram 102% no Nordeste. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste seguem com os índices mais altos de mortalidade infantil associada à vulnerabilidade social e à falta de infraestrutura básica.
Esses dados reforçam a urgência de políticas públicas que coloquem as crianças no centro das ações climáticas — desde o acesso à saúde e saneamento até o combate à pobreza e ao desmatamento. A infância, afinal, será a mais afetada por um planeta que aquece rapidamente.