Exploração global para atender à medicina tradicional chinesa expõe animais, comunidades e desigualdades históricas
À primeira vista, pode parecer apenas um dado exótico: a crescente demanda por uma gelatina extraída da pele de jumentos, conhecida como ejiao, tem colocado essa espécie em risco de extinção em diversas partes do mundo. Mas por trás dessa indústria silenciosa há uma teia de desigualdades, silenciamentos e impactos que atingem diretamente comunidades rurais, a cultura popular e o equilíbrio entre o humano e o natural.
Usado há milênios na medicina tradicional chinesa para tratar insônia, anemia e melhorar a aparência da pele, o ejiao se tornou um produto de luxo. Com o aumento do poder de consumo na China, o mercado cresceu tanto que a produção local de jumentos não é mais suficiente para atender à demanda. O resultado? A importação em massa de peles, especialmente da África, onde os jumentos são fundamentais para o sustento de milhares de famílias.
De acordo com organizações internacionais, mais de 4 milhões de jumentos são abatidos por ano. A maioria deles vem de países como Nigéria, Quênia, Burkina Faso e Botsuana, onde os animais são usados para transporte de água, atividades agrícolas e geração de renda. Com a caça indiscriminada e os abates clandestinos, comunidades inteiras têm enfrentado desestruturação social, aumento do trabalho infantil e perda de autonomia.
É o paradoxo da era global: um animal simples, símbolo de resistência e força, é tragado por uma lógica de mercado que transforma tudo em insumo — mesmo o que tem nome, história e função comunitária.
A União Africana já se mobilizou para proibir o comércio de peles de jumento, mas o tráfico persiste. As rotas mudam, os animais somem, e as comunidades ficam com o vazio: o trabalho dobrado, os campos abandonados, a memória dilacerada.
Em países como o Brasil, onde o jumento também faz parte da cultura sertaneja e da identidade rural, a ameaça é silenciosa, mas real. Embora a pressão econômica ainda não seja tão forte, o alerta global levanta questões urgentes: até onde vamos em nome do consumo? Que valor tem um animal na engrenagem mundial? E o que nos resta quando o vínculo entre cultura e natureza é rompido?
A história dos jumentos não é só sobre animais. É sobre como tratamos o que é pequeno, o que é ancestral, o que nos sustenta sem fazer barulho. É também sobre a escolha entre o lucro imediato e a permanência da vida.
por GT Notícias – Goiás Tocantins Notícias